À Língua Portuguesa - Antologia - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
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À Língua Portuguesa

Língua cuja suave melodia,
Cuja enchente fecunda de expressões,
Clara te faz entre as viventes línguas,
    Mais que tôdas ilustre:

Se aquele que imitando o Cisne Argivo
Tanto as latinas musas ilustrou ,
Que as fez voar eternas pelo mundo,
    Vencidas quási as gregas;

Que as armas e o varão pio cantando,
Que o caro pai, que os caros seus Penates
Salvou por entre as chamas e armas hórridas
    Dos férvidos Argivos;

Se o que as causas orando ante os Conscritos
Na majestosa Cúria, ou ante o povo,
No fundo lá dos peitos acendia
    Mil diversas paixões ;

Cuja cópia grandíloqua e facunda
As sedições feroces profligava,
Que a Roma aparelhavam ferro e flama,
    Sepultura fatal:

Ouvissem como soas doce e branda;
Tua índole grave e majestosa,
Flexível para todos os assuntos,
    Atentos contemplassem:

Do mais polido seio da latina
Diriam ser nascida a lusa língua,
A mais própria de assuntos majestosos
    De engenhos levantados.

Que a língua que os soberbos vencedores
D’ África, d’ Ásia e da famosa Europa,
Falavam os ilustres Lusitanos,
    Gente ínclita no mundo,

Que impávidos, fendendo o mar tumente,
Sem temer as horrendas tempestades,
Novas estrelas viram, novos climas,
    Novos   mundos acharam,

[…]
Se um grande Barros , se um sublime e grande,
Um divino Camões cantar ouvissem,
Ou em solta oração  alta e pomposa,
    Ou em suave metro:

Com vivas côres de imortal transunto,
Formadas pela mão de engenho e de arte,
Veriam  retratar províncias, reinos,
    Vastíssimos impérios.
[…]

Adornado de extrema perfeição
Sempre ilustre serás, sempre famoso,
Sempre de sábios peitos estimado,
Puríssimo idioma.

Apesar dos maléficos profanos,
A quem as sacras musas recusaram
O dom de conhecer tuas belezas
    E sólida energia,

Inda com teu favor me elevarei
Com clara fama às lúcidas estrelas,
Brando cisne cantando ao som do Tejo
    Cânticos imortais.
[…]

Fonte
Obras Poéticas, in Paladinos da Linguagem, vol. I, Lisboa-Paris, Aillaud & Bertrand, 1921, pp. 120-128 (manteve-se a grafia original da fonte utilizada, excepto no título)

Sobre o autor

Francisco Dias Gomes (Lisboa, 1745 – Lisboa, 1795) iniciou os estudos em Direito, em Coimbra, que acabou por não concluir. No entanto, ficou conhecido por ser um célebre crítico apto a avaliar o mérito dos escritores portugueses. Tornou-se assim um dos homens mais eruditos entre os seus contemporâneos. Deixou algumas composições da sua autoria, mesmo considerando que lhe faltava a imaginação de um poeta.