De entre as várias diferenças entre o português do Brasil e o português europeu, existem dois casos a nível morfológico e sintáctico que vale a pena recordar para melhor explicitação da resposta elaborada em 21/06/2007: (i) a utilização dos pronomes clíticos de 3.ª pessoa com função de complemento directo (o/a/os/as); (ii) a pronominalização operada nas formas de tratamento.
1. A utilização pronominal para referência «daquilo de que se fala»/«daquele(a) de quem se fala» (3.ª pessoa singular/plural) é feita do seguinte modo:
a) «Eu tenho um CD RW que uso só para transportar dados de um PC para outro. Mas tenho um problema. Quando eu o formato no meu PC, ele fica com um tipo de sistemas de arquivos que eu nunca tinha visto (UDF); quando o coloco formatado no PC, em vez de aparecer na unidade CD RW, como geralmente aparece, fica uma mensagem assim: "pode ser formatado automaticamente".» [Variedade europeia do português]
b) «Eu tenho um CD RW que uso só para transpostar dados de um PC para outro. Mas tenho um problema. Quando eu formato ele no meu PC, ele fica com um tipo de sistemas de arquivos que eu nunca tinha visto (UDF); quando eu coloco ele formatado no PC, ao invés de aparecer na unidade CD RW, como geralmente aparece, fica uma mensagem assim: "pode ser formatado automaticamente".» [Variedade brasileira do português]
c) «Foi revelado um dos grandes mistérios do futebol moderno: o defesa italiano Marco Materazzi repetiu finalmente as palavras que levaram o francês Zinedine Zidane a acertar-lhe uma cabeçada em cheio no peito, na final do Mundial do ano passado, na Alemanha.» (Público on-line, 19/8/2007)
d) «MILÃO – O zagueiro italiano Marco Materazzi finalmente revelou a frase exata que usou para provocar Zinedine Zidane na final da Copa do Mundo do ano passado. (…) Na partida, Materazzi segurou por instantes a camisa de Zidane. O francês teria dito então ao zagueiro italiano que poderia lhe dar a camisa da seleção da França após o jogo, em tom de provocação. Após o comentário de Materazzi envolvendo a irmã de Zidane, o meio-campista francês deu uma cabeçada no peito do jogador italiano e foi expulso. (…) (Estado de São Paulo, 19/8/2007)
Nos exemplos a) e b), os pronomes clíticos têm a função de objecto directo ou complemento directo (Eu formato-o no meu PC / Eu formato ele no meu PC). Nos exemplos c) e d), o pronome clítico desempenha a função de objecto indirecto ou complemento indirecto.
2. A utilização pronominal numa situação de comunicação, reportando-se à pessoa a quem se fala, varia de acordo com as formas de tratamento. Quando é utilizada a 2.ª pessoa do singular (chamada “tratar por tu”), temos situações como (1). Quando se utiliza a 3.ª pessoa do singular, ocorrem situações como (2) e (3):
(1) (conversa telefónica entre amigas)
A – Olá, Joana. Estás boa?
B – Estou. E tu?
A – Preciso de falar contigo. Podemos ir tomar um café?
B – Claro. Quando te dá jeito?
(2) (“você” em contexto familiar – variedade europeia do português)
A – Joana, [você] quer explicar-me estes resultados escolares?
B – Não consigo explicar. A mãe sabe que eu até sou aplicada.
A – Sim, mas nos últimos tempos não a vejo estudar como antes.
(3) (“você” – variedade brasileira do português)
A – Oi!
B – Quem é você? Não lhe conheço, nunca lhe vi antes.
Ou
A – Oi!
B – Quem é você? Não o(a) conheço, nunca o(a) vi antes.
Incluem-se neste grupo (3) as letras das músicas citadas na resposta anterior:
Tomara – Toquinho e Vinicius (trecho)
«Tomara que você volte depressa
Que você não se despeça nunca mais
do meu carinho
E chore, se arrependa e pense muito
Que é melhor se sofrer junto
Que viver feliz sozinho
Tomara que a tristeza lhe convença
Que a saudade não compensa.»
Coisinha do Pai – Jorge Aragão, Almir Guineto, Luiz Carlos
«Você vale ouro, todo o meu tesouro
Tão charmosa da cabeça aos pés
Vou lhe amando, lhe adorando
Digo mais uma vez
Agradeço a Deus por que lhe fez.»
Nestes últimos exemplos, lhe, pronome clítico (pessoal oblíquo átono) da terceira pessoa do singular, aparece em substituição das formas o/a.