Tradicionalmente, dizia-se que, para distinguir os complementos directo (representado por o/a) e indirecto (representado por lhe), deveríamos fazer as perguntas «o quê?» (e descobriríamos o objecto directo) e «a quem?» (e descobriríamos o indirecto). Assim, por exemplo, partindo da frase «Eles deram-lhe uma caneta», poderíamos perguntar «deram o quê?» e «deram a quem?» e facilmente obteríamos as respostas «uma caneta» (complemento directo) e «lhe» (complemento indirecto).
No entanto, este método pode ser enganador, uma vez que o complemento directo de um verbo pode ser um ser humano — como acontece com ver. Então, somos tentados a perguntar «viram quem?» em vez de «viram o quê?», uma vez que o objecto é uma pessoa, e concluir, erradamente, que «quem é visto» corresponde ao complemento indirecto, sendo substituível por lhe.
Assim, em vez de dizer às crianças para fazerem as perguntas «o quê?» e «a quem?», proponho que se lhes explique que a escolha do pronome (o/a ou lhe) se deve fazer em função de existir ou não a preposição a entre o verbo e o complemento em questão. Se houver, o pronome a usar é lhe, porque o complemento é indirecto. Se não houver, o pronome é o/a, porque o complemento é directo.
Vejam-se os seguintes exemplos:
«Telefonar a alguém», portanto, «telefonar-lhe».
«Fazer uma surpresa a uns amigos», portanto, «fazer-lhes uma surpresa».
«Dar um nome a um boneco», portanto, «dar-lhe um nome».
«Ver uma pessoa atrás do muro», portanto, «vê-la atrás do muro».
Convém esclarecer que muitos verbos, como ver, podem, em certos contextos, ser seguidos de objecto directo e indirecto. Assim, podemos usar tanto o/a, como lhe (ou ambos), conforme o complemento que pretendemos substituir:
«Ver o rosto a alguém», portanto, «ver-lhe [a alguém] o rosto», ou «vê-lo [o rosto]».
Transmitir estas noções a uma criança, ou mesmo a uma pessoa adulta, não costuma ser fácil, até porque ela pode não conseguir distinguir a preposição a do artigo definido a: na frase «encontrei a casa», o a sublinhado é um artigo (portanto, encontrei-a), mas pode ser confundido com uma preposição.
Há ainda casos em que a preposição a pode ser usada antes do complemento directo, mas não é exigida pelo verbo: quando se diz «amar a Deus», por exemplo, não se substitui o complemento por lhe, mas sim por o (amá-lo).