Da forma como o citado artigo se encontra redigido, parece-me que a expressão «no último caso», numa interpretação estritamente linguística, tem escopo apenas sobre «comunicações telefônicas», isto é, à partida, será inviolável o sigilo de: a) correspondência; b) comunicações telegráficas; c) dados, e d) comunicações telefónicas. Porém, no caso desta última alínea — comunicações telefónicas —, e apenas neste caso, a referida inviolabilidade poderá ser quebrada, ainda que unicamente «por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal.».
Poderíamos, quando muito, numa perspectiva talvez um pouco mais lata, sustentados na utilização, em dois momentos do citado artigo, da conjunção coordenativa copulativa e, considerar esta uma estrutura não quadripartida, mas antes bipartida. Assim, teríamos, por um lado, «a correspondência e as comunicações telegráficas», e, por outro, «os dados e as comunicações telefônicas». Ora, nesta óptica, a expressão «no último caso» referir-se-ia não apenas às «comunicações telefônicas», mas também aos «dados», encarando-se estes dois itens como um só bloco, unificado, digamos assim, pela referida conjunção copulativa. Deste modo, e seguindo o raciocínio decorrente da perspectiva agora em análise, poderíamos parafrasear o excerto da seguinte forma: será inviolável o sigilo de: a) correspondência e comunicações telegráficas e de b) dados e comunicações telefónicas. Contudo, no que se refere aos itens constantes desta última alínea — isto é, «dados e comunicações telefônicas» —, a referida inviolabilidade poderá ser quebrada, ainda que apenas «por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal.».
Por outro lado, a expressão «em último caso», sugerida pelo prezado consulente, significa, na sua utilização mais comum, «em último recurso»: ex.: «O programa do Governo para manter as portagens no Oeste e assegurar o plano rodoviário do Executivo seria accionado em último caso» (Corpo CETEMPúblico).
Deste modo, se a redacção fosse, por suposição, «é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, em último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal», estar-se-ia, na verdade, a afirmar que, de facto, todos os tipos de comunicações ali mencionados poderiam estar sujeitos, em última análise/como último recurso, à violação do sigilo, ainda que apenas «por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal».
Assim, e na minha perspectiva — que, reitero, é apenas linguística e não jurídica — não me parece que a utilização da expressão «em último caso» fosse muito adequada ao contexto em análise, pois, tendo em conta que se trata justamente de um discurso júrídico, ela é demasiado lata, já que, creio, seria fundamental explicar o que se entende por «em último caso», ou seja, seria necessário explicitar todas as opções disponíveis, antes de se recorrer àquela que, neste enquadramento, seria uma espécie de solução terminal. Ou seja, que condições seria necessário observar para se poder recorrer, finalmente, ao último recurso.
Finalmente, e em jeito de nota de rodapé, é de assinalar a polémica que, efectivamente, a utilização desta expressão, no contexto aqui em análise, provocou e continua a provocar no Brasil junto dos especialistas na matéria jurídica em apreço. Para dela nos apercebermos, bastará, por exemplo, fazer uma breve pesquisa via Google: de facto, são intensos os debates e múltiplos os pareceres.